terça-feira, 14 de agosto de 2012

O rapto

Não havia jeito da guria olhar pra mim. Não é me gabar, mas parecer com o Elvis Presley na década de 60 era lá grande coisa. Nem 25 anos e com meu próprio caminhão. Eu via que ela me olhava de vez em quando, na igreja. no dia de feira. Peguei seu olhar no dia em que cheguei depois de duas semanas de viagem, você estava lá, na janela, olhando onde é que eu estava. Meu irmão já tinha me falado, fica de olho na Malu cara, ela te dá mole. Mas quando eu chegava perto, fugia que nem diabo da cruz. Vai entender né?
Soube que só a Nhá Cata estava em casa com as filhas, uma mais bonita que a outra, mas Malu era a especial. Aquele maldito cabelo laranja não saia da minha cabeça, com os olhinhos verdes, queimava como fogo. O pai tinha ido viajar com o caminhão, voltava em mais de 20 dias só. Era minha oportunidade de fazer alguma. Sangue italiano pulsando no corpo inteiro de deixar o rosto vermelho, talvez tivesse sido o vinho. Mas lá estavam meus irmãos incentivando. Afinal era uma família de cinco moças lá e uma família de sete homens aqui, era de dar boa combinação se um chegasse conhecer a vizinhança.
O que meu pai me ensinou foi que pra conquistar uma mulher você precisa ter coragem, ter atitude de homem. Se era isso que a Malu estava esperando, era o que ia ter. Duvido que na volta não ia estar caidinha de amor. Fiquei vigiando uma manhã inteira, era sempre ela com a Cecília que iam comprar as coisas pro almoço na venda. Onze horas as duas saíram. Dei um toque no Beto, vai lá cara, distrai a Cecília, pelo seu irmão, essa mulher é a mulher da minha vida. Tá bom, é a décima mulher da sua vida esse ano. Cara, quebra essa vai... Beleza, vê se faz uma coisa decente.
Claro que seria decente, a mais romântica do Elvis no toca-fita do caminhão, mala pronta, perfume no pescoço e os óculos escuros, como é que ela ia resistir quando eu tirasse o óculos, pegasse esses meus olhos azuis e olhasse fundo nos olhos: Malu, vamo comigo pra São Paulo, deixa eu te mostrar o Brasil. Cara, até eu me apaixonava por mim com essa.
Fui com tremedeira até os ossos. Ela estava estranhando a história do Beto querer falar com a Cecília sozinho, a irmã não tinha nem 13 anos, longe da idade. Não é que a Malu fosse muito mais velha, 16 anos ainda, mas com certeza já tinha jeito de mulher. Corpo feito, aqueles olhos verdes de inocente não me enganavam, o Rubão já tinha dito que ela andava cheia de sorrisinhos quando falavam de mim.
- Oi Malu! Que tá fazendo sozinha aí na rua? - Mão no bolso, regata branca, jeito de quem não quer nada. Cary Grant me ensinara tudo sobre esse jeitão em seus filmes.
- Teu irmão veio com uma conversa estranha e levou minha irmã pra nossa casa, agora tenho que ir na venda sozinha. - Cara fechada, fingindo tristeza, tudo como planejado.
- Vem, eu te dou uma carona no meu caminhão - Os olhos da garota brilharam, estava no papo, eu era o único cara da vizinhança que tinha um caminhão daquele tamanho, cabine dupla, vermelhão. A Scania nunca mais fabricou tão bem.
E ela veio cara. Bracinho cruzado na frente do corpo, aquele cabelo laranja caindo no rosto e eu bobo de paixão. Parecia que nunca tinha visto mulher na frente. Mas é que mulher de estrada é diferente. Já conhecia o mundo, elas é que tinham que me ensinar. Ali não, a menina brilhava de inocência. Me olhava como se fosse um astro de cinema. E eu me sentia burro que nem quando tinha 12 anos e dei o primeiro beijo. Porra cara, concentra antes que comece a gaguejar. Puxei papo, perguntei se ela já tinha ido no cinema. Disse que não. Faziam menos de dois meses desde que veio do interior. Eu te levo, Malu. Ninguém chamava ela assim. Só eu. Ela se distraiu tanto com meu papo que nem percebeu que eu tinha desviado da venda, volta na quadra e ela já estava rindo pra mim. Poxa, Haroldinho, você conhece tanta coisa. Era minha deixa... Parei o caminhão, travei as portas, tirei o óculos. E fiz o meu melhor olhar. Segurei aquelas mãos pequenininhas. E eu todo confiante agora tinha esquecido tudo. Corpo tremendo, testa suando. Estômago doendo. Vai cara, faz uma coisa decente. A voz do Beto na cabeça me acordou.
- Malu, vamo pra São Paulo comigo. Vem, eu te mostro o Brasil. Te mostro tudo que quiser. Isso aqui é tudo muito pequeno pra você. - Ela me olhou com a maior cara de pânico, achei que ia dar tudo errado, mas ela apertou minha mão, foi a maior sinal que eu precisava. Dei a partida no Scânia.
- Haroldinho, pára com isso, você tá louco? Você sabe que meu pai te mata, mata nós dois, eu sou moça ainda Haroldo, imagina andar por aí de caminhão com homem? Quem você pensa que eu sou?
- É a mulher da minha vida.
Já era tarde demais, peguei a 116 e fui acelerando no máximo. Falei pra ela ficar tranquila que o Beto ia contar que tínhamos fugido pra casar. Casar Haroldinho? É Malu! Assim que chegarmos. Eu sou mesmo um canalha, claro que eu não ia casar com aquela menininha. Mas ela era muito linda. Putaquepariu.
Duas semanas fora de casa. Uma virgindade perdida. Uma aliança no dedo.  Três filhos. 30 anos de casamento. É, a vida é uma coisa relativa.



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