sexta-feira, 15 de junho de 2012

O picolé.

Me foi contada uma história, que me arrancou riso mas na alma quase arrancou lágrimas. Com tanta emoção florindo, o que devo é passar adiante...quem conta uma história, passa a frente uma alegria.

Era um domingo de verão intenso na capital paranaense de 1955. Época progressista, Brasil crescendo. Mas ah! A velha Curitiba, que hoje ainda é tão provinciana, era capaz de todo o progresso da propaganda? O menino e o pai foram à sorveteria. Família de imigrantes italianos, olhos verdes e sotaque forte. Quem pensa que é só interior que sofre? Aqui, na capital, a família não tinha geladeira, não tinha TV e no rádio acompanhava as parcas notícias. Ir à sorveteria era um marco. Dos cinco irmãos, ele era o primeiro que iria provar o sorvete.
A boca salivava, imaginando se era como geléia, se era como suco, ou quem sabe como gemada? O dinheiro era curto. O pai só pode levar o mais velho. Tomaram um ônibus e o menino ia quieto. Pais eram quietos. Mães é que falavam, gritavam, chamavam pro almoço. Pai mandava, levava, não precisava chamar. Era tudo novo. Os carros nas ruas mais centrais. O ônibus vermelho e que deixaria todas as roupas cheirando à diesel antes de chegarem à sorveteria da Rua XV, e porque tão longe? Tinha perguntado a mãe, desconversara, bem ao lado da sorveteria tinha o snooker, onde os amigos iam comemorar, ou não, mais um domingo, mais um final de semana fora das fábricas. O menino não sabia para onde olhar ao descer do ônibus. Eram casas enormes, como o pai chamava? Prédios. E o que é aquilo pai? Aquilo é o cinema filho, um dia te levo conhecer. E o que é um cinema pai? É uma parede onde se mostram fotos dos teus sonhos. Chegando lá, o homem conta o dinheiro. Olha em volta. Se sente desarrumado. Tinha colocado o melhor colete por cima de uma camisa batida que usava no fim de semana há anos. O menino nem havia colocado sapatos. Usava apenas os chinelos de dedos, que mostravam dedos arrebentados de brincar, de cair. O pai lembra de arrebentar os dedos na enxada, ainda na Itália, quando tinha a idade do menino. Torce o lábio, passa o braço pelo ombro do filho e então sorri. A vida estava mudando para melhor. Era o progresso que ouvira no rádio.
- Pode escolher teu sorvete.
- Eu quero dois picolés.
O pai pensou se dois picolés era tanta vontade assim, para ter dois ao mesmo tempo. Se o menino não preferia o sorvete de massa. Mas adulto não se preocupa com coisa de criança. Comprou os dois e foi para o bar, jogar sinuca, tomar uma cerveja, com o trocado que lhe vinha no bolso. Enquanto jogava pensava na família. A mulher esperava em casa, com dois pequenos na saia e um ainda no bucho. Na Itália tivera 12 irmãos. Mas na roça as coisas são diferentes. Ninguém ia à escola. Ninguém precisava de tanta roupa. Mochila, sapato. As crianças eram caras agora. Na sua época eram lucrativas. Braços para ajudar na lavoura. Até serem caras quando tiveram de embarcar no navio, a mãe e os 6 filhos mais novos, enquanto o pai e todos os mais velhos iam para a guerra. No Brasil só chegaram 5. O menor morrera no navio. E na guerra se andava de avião.
Chamou o menino, vinha com um sorriso no rosto. Tinha explorado todo o bar, a fonte da rua, lavara o rosto naquela água. A mãe não deixava se estivesse ali. Mas era calor. Voltariam a pé, o dinheiro do ônibus tinha ido na cerveja. Nunca ficava bêbado. Apenas falava alto e as faces avermelhavam. Se sentia parecido com o próprio pai naquele momento. Caminhava sorridente, e chegara a cantarolar com o filho. O domingo quase acabava e com ele o momento em que era pai e não empregado. Chegaram em casa já era final começo da noite e a mãe os esperava. Vestido florido, cabelos trançados, os filhos em volta, a barriga aparecendo o próximo. Continuava linda como quando se conheceram na colônia. Moça lutadora. Fora para a cidade com o marido sem questionar, largara a própria família e fora costurar para fora, mesmo cuidando de todos os pequenos. Ele se orgulhava. Como foi meu filho, perguntava ela. Qual foi a surpresa do pai ao perceber que o menino se abria em choro.
- Que foi criança?
O menino, como resposta, apenas tirou do bolso um palito, agora que o pai reparou na calça molhada. Um dos picolés era para que a mãe também pudesse experimentar. Mas da tarde na sorveteria, apenas lembranças do picolé derretido, como o choro no rosto do menino.

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