terça-feira, 20 de agosto de 2013

Sótão...

Desça, criança. Venha brincar. No escuro não há diferença entre aqueles que estão vivos ou mortos.

A lâmpada nunca funciona bem no sótão. Brincadeira infame do acaso com meus medos mais sutis. O ar foge dos pulmões. Mãos invisíveis (inexistentes?),  várias, sufocam-me o colo. Desnecessário respirar aqui. O odor de mofo e coisas velhas me lembra a morte. São alguns segundos até chegar àquelas caixas de pesadelos. Flashbacks

Seis anos: Meus pais trabalham fora. Nós não temos uma tv, é contra a religião. Estou só. As águas, furiosas, despencam do céu em momento oportuno. Uma criança, sozinha, sentada na calçada gélida da garagem, chora.

Onze anos: Madrugada, era proibida a estadia no computador até tão tarde. Mas estava ali, ainda assim. O pai chega do trabalho e abre a porta. A menina vira um tipo de criatura lobo e ataca o pai. Acorda.

Dezesseis anos: A maconha ainda que não alucinógena causa síndrome do pânico. São onze da manhã, mas ser sufocada pelo escuro a atinge.

Dezessete anos: Uma febre alta, Samara visita o quarto.

Vinte anos: Começam os delírios do sono, na madrugada, abre os olhos após um sonho e vê pequenas criaturas sobrevoando seu rosto. Elas fogem quando abre os olhos. A internet explica o fenômeno, nada sobrenatural.

A falta de ar nunca passa. O medo do escuro. É melhor fechar essa caixa. Há outra. Fotografias. A família... a ordem natural das coisas é que os pais se vão antes dos filhos. Mas isso a perturba e era preferível que fosse o contrário. Sonhos assim a atormentam. Filmes dramáticos sobre câncer perpassam sua mente frequentemente. Melhor parar de assistir a dramas.

Tantos cantos escuros. A psicanálise exploratória ainda não está feita. Nem será agora. O convidado não é trazido aqui. O que vim pegar, desapareceu.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Vai um café?


Chegando na cozinha, você pode até pensar "Mas que casinha incoerente!". No entanto, enquanto coo um café amargo, o cheiro forte te espanta. Te traz para um realidade tátil. Quando volta teu olhar para a sala de estar, um susto. Se esvaiu, o que vê é a porta vermelha. De fato, uma casa incoerente.
Percebe, que a sala só existe para olhos desapercebidos, mal treinados. Que a porta, na verdade, dá direto na cozinha. A sala era apenas realidade virtual.
Entre utensílios, coisas úteis, quero dizer, nos encontramos numa mesa. Em mesas exponho as cartas da vez. Eu disse que era uma casa de sentimentos. Mas na verdade, eu acho, de sentimentos também se invadem as razões. Que razão terá o fim se não o entremeio dos desesperos?
Quantos biscoitos à fazer antes do café estar pronto de verdade.
Na cozinha, a janela dá para a rua. E na rua os carros levantam poeira, encobrindo o pôr do Sol. Ainda assim, o sentimento é ambíguo. O pôr do Sol está ali, e ele ainda é mágico, ele ainda reflete a porta vermelha. Mas a poeira deve ser vencida, e o café é necessário. Que fiquemos acordados até a hora certa de chegarmos ao quarto.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Da casa da porta vermelha



Mal abri a porta vermelha, e já chegamos na sala. A sala é um ambiente construído. Não é como o resto da casa. Ninguém relaxa numa sala de estar. Estar, que tipo de nome é esse. Você está ali, parado, meio desconfortável. Você pode sentar no sofá, mas cuidado pra não derrubar nada. Na minha sala, o tapete é de ovos. E isso é danado de complicado. Ou você fica com o pé frio de pisar no piso, ou então pisa nos ovos. Eles são encaixadinhos, mas sempre podem quebrar.
Te ofereço uma cadeira, alguma coisa pra beber. Não é como se realmente te oferecesse algo para beber e eu fosse ter o que você pedisse. É só conversa fora, você sabe que é café ou um suco sem graça, de pacotinho.
Ligo a TV e a previsão do tempo. Se fosse um prédio e não uma casa, elevador.
Aí você se sente desconfortável, eu também.
Nota mental, transformar a sala num ateliê.
Mas vem, não desiste, pede pra ir no banheiro, ou conhecer a varanda...

Red doors

Eu quero fazer de meus sentimentos, portas vermelhas. Portas vermelhas sussurram mistérios. Muitas vezes são chorosos. No entanto, te atraem para ela com um místico calor. Derrubar muros e expor as portas. Elas, ainda que trancadas, sempre oferecem a maçaneta. Você poderá abri-las. Observar a organização da sala de visitas e, com algum esforço, compreender a bagunça de meu quarto.
Você poderá tropeçar na mesinha de centro. Tem um grande vaso com lírios nela. Traz uma paz para a sala de visitas. Não se distraia. Continue pelo corredor. Ali você poderá encontrar alguns quadros, fotos de infância. Você pode ficar algum tempo ali, é um lugar feliz. Mas não perca o rumo. Eu te convidei para conhecer a casa não é? As portas são vermelhas. Na cozinha, o café te faz sentir ambíguo. É um acordar tão realista que dói, mas o cheiro é agradável e inspirador.
Quando chegarmos ao quarto, não se assuste. Todas essas roupas, esses livros, essa desorganização, sou eu ainda. Se você abrir aquele livro, de capa preta, ele pode verter água. Mas ela é pura e não mancha. Um pouco de tempo e seca. Se revirar aquela pilha de vestidos, pode encontrar alguma poesia. É coisa ruim, mas há ainda um perfume no papel. E se sentar em minha cama, ao meu lado, posso te contar porque a porta é vermelha.
Eu sei que é difícil chegar até lá. Mas eu te conduzo pelos caminhos e te ensino os atalhos. A porta é vermelha, mas os retratos são preto e brancos.

Bruna Dancini