domingo, 9 de janeiro de 2011

Enjôo

Eu estava com vontade de escrever e de escrever coisas que não eram bonitas. Estava vomitando palavras feias, e olhava no espelho e me via verde. Porque estava empilhando papéis e mais papéis sem sentido, com obrigações, com rabiscos, com algumas lágrimas perdidas, com desconforto, tinha até cólica desenhada naqueles papéis. E o cheiro do meu próprio perfume me enjoava. Estava ali sentada, embaixo de todo aquele papel amarelado. Tinham currículos ali, e eram tantos nomes e atributos hipócritas que me faziam dar voltas e voltas e querer jogar tudo fora. E aquela voz enojada de nariz empinado me oferecia o mundo. O mundo. Mundo vazio, cheio de coisas vazias. Coisas vazias cheias de futilidades. E eu, quase virando um deles, vomitava e vomitava palavras. E eram carros, e marcas e baladas e casas, e restaurantes e festas, e famílias e críticas. E eu não parava de rodar, rodar, rodar. Era tudo muito rápido, que opção eu teria de escolha? Então continuava rodando. E no final eu estava ali, sentada na mesa daquele restaurante, com um salto alto que não combinava comigo, com uma cara enojada e uma voz hipócrita. Criticando a sociedade da qual eu acabara de fazer parte. E ria, ria alto, ria de histeria. Ria de pavor. Que nojo. Aquela mão se insinuava na minha direção e eu queria fugir como doida. E aquela boca falava e quase me fazia jogar aquele copo na cabeça dele. Eu estava totalmente perdida, e fazia parte deles. Todos os sábados aquela balada. Todas as sextas aquele restaurante. E todos os domingos aquela família sem sorrisos.

Sai correndo, entre lágrimas e ele achou que era a falta que me fazia. E se sentiu culpado e escreveu textos e cartas e chorou, correu, gritou. E quanto mais ele vinha atrás mais eu achava que não tinha jeito de fugir daquele mundo. Sentia o cheiro daquele mundo em mim. E todos me perguntavam, porque não sai mais? Não te vimos mais lá. E eu ria, histérica, olhos cansados e maquiados.

E mais uma vez entupi meu rosto de máscaras, e meu corpo de muros, e minha voz de escudos, e saí. Sentei entre amigos me sentindo completamente sozinha. Cheia dos meus péssimos sorrisos falsos, dos meus acenos desanimados. E aí, como já não fazia a menor diferença eu dei papo. E virei um copo, e outro. E sorri mais e sem querer deixei cair minhas máscaras. Procuro feito doida por uma delas, debaixo da mesa? É a de menina popular? Não, droga, ela sumiu! E tento disfarçar, mas elas tinham ido embora todas, alguém roubou. Essas máscaras haviam custado tão caro! E foi, sem máscaras mesmo. O alcool me fazia esquecer do perigo que era andar desprotegida. E continuei oferecendo uma dose de mim, e ele bebia como se gostasse da acidez daquele meu riso que nem era o histérico. E bebeu, bebeu, e em vez de secar, quanto mais ele bebia, mais eu era alcoolica e mais eu era vicio. E uma noite não foi suficiente, e quando vi eu tinha deixado o salto em casa, as máscaras tinha perdido. E todas as minhas proteções estavam longe. Não foi por falta de tentativa, procurei, pedi emprestado, não deu certo. Eu estava ali pra ele nua, de cara lavada e cabelo bagunçado. Nem encolhida eu estava. E ele olhava os meus olhos e beijava minha testa. E quem bebia era eu. E me perguntava, onde é que estão suas máscaras? Será que nunca usou? Todo mundo me disse que pra sobreviver você precisava delas, e ele ali, vivo e forte e lindo sem nenhuma. E eu fui me acostumando, e fui entrando, e fui me acolhendo no abraço largo. E fui encostando meu rosto na respiração do seu peito e escutando seu coração. E o verde tinha ido embora. E o enjôo, e meu riso era de verdade e meus abraços eram com vontade de ser uma só. E aquele mundo antigo ficava na porta, chamando, querendo trazer de volta o nojo, como se precisassem de mim. Talvez porque eu nunca tivesse sido dele. Porque eu nunca me entregara eu era um pedaço do que eles não podiam mais ter. Eu era uma flor silvestre plantada num vaso de concreto no meio de Av. Paulista. E ele chegou com um regador, um jarro de ar puro, e me salva todo santo dia. Cada pétala que cai ele guarda. Cada uma que nasce ele acaricia. E eu que sou fraca, ainda me angustio. Mas no fim, sempre no fim, quando o cheiro do ar que ele traz chega até mim eu esqueço e me entrego, porque ele me salva todos os dias.

Bruna Dancini

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